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Conheça Jade Lôbo, a antropóloga baiana por trás da pesquisa de álbuns e documentários da música brasileira

  • Foto do escritor: Nassor  Oliveira Ramos
    Nassor Oliveira Ramos
  • 15 de set.
  • 5 min de leitura
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Jade Alcântara Lôbo é antropóloga, pesquisadora e curadora baiana, com atuação destacada na interseção entre estética, política e música. Natural de Ilhéus, no sul da Bahia, Jade tem contribuído nos bastidores de projetos artísticos que redesenham os modos de narrar e ouvir a música brasileira contemporânea. Suas pesquisas e análises operam como ferramentas de escuta crítica e reinvenção simbólica em uma cena cultural marcada por disputas de representação.


Ela já colaborou com artistas como Baco Exu do Blues e e outros nomes de destaque do pop brasileiro, escreveu textos com artistas como Mateus Aleluia, e entrevistou importantes nomes da música brasileira como Carlinhos Brown, Luísa Sonza, Léo Santana, Lulu Santos, Danilo Caymmi e Russo Passapusso, entre outros. Em todas essas interlocuções, Jade atua como pesquisadora e intelectual, conectando as camadas histórica e territoriais das expressões sonoras com questões mais amplas sobre raça, território, religiosidade e identidade.


A colaboração com Baco e o debate sobre o fetiche em colaboração com Baco Exu do Blues, Jade desenvolveu a pesquisa conceitual que fundamentou o curta Fetiche, partindo da crítica à lógica ocidental do desejo e da construção colonial dos corpos negros como objetos hipersexualizados, interditos e espetaculares. Sua abordagem resgata o termo fetiche como uma chave histórica e política, ligada à violência do encontro colonial com os sistemas religiosos africanos e, posteriormente, ao controle do corpo e do desejo racializado.


A pesquisa articula figuras como a Vênus Negra, o King Kong e o falo de Exu, apresentando como esses signos operam na construção de uma estética de alteridade. Ao trazer essas referências para o centro do discurso artístico, Jade contribui para uma reinterpretação crítica da sexualidade negra na cultura pop, desafiando tanto os estigmas históricos quanto às leituras simplificadas do desejo. Jade também atuou no curta do Fetiche Film:


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O começo Seu trabalho etnográfico se inicou com a pesquisa sobre o trap no Brasil, Jade concentrou-se nas manifestações do gênero na cena urbana periférica de São Paulo, analisando como jovens negros constroem, por meio do som, um discurso sobre si mesmos, seus territórios e suas condições de existência. O trap é lido aqui não como importação estética, mas como releitura radical que, ao se misturar com o funk, produz uma linguagem sonora singular territorializada e historicamente situada.


A partir de sua crítica, o trap se configura como uma forma de inscrição política, onde o relato da experiência periférica, suas dores, estratégias e afirmações, ganha corpo. Jade observa que, ao apropriar-se das tecnologias da produção musical contemporânea, o trap brasileiro produz narrativas que têm despertado o interesse de públicos estrangeiros, justamente por sua especificidade estética e densidade social.


No campo do R&B e pop, Jade atuou na pesquisa conceitual do álbum de um dos principais nomes do pop brasileiro, trazendo subsídios históricos e teóricos sobre a tradição do rhythm and blues afro-diaspórico. A pesquisa articulou elementos do blues, do soul e do gospel com a trajetória da cantora, evidenciando as potências de um R&B afro-brasileiro possível enraizado em afetos, técnicas vocais e imagéticas que se relacionam com as vivências negras locais. A colaboração oferece insights que ajudaram a orientar escolhas criativas, permitindo que o projeto dialogasse com a tradição do R&B sem perder sua originalidade brasileira.


Na Revista Odù, publicação que coordenou e editou, Jade reuniu mais de 30 colaboradores entre mestres da cultura popular, artistas indígenas e afro-brasileiros, intelectuais e lideranças religiosas.


Revista Odú
Revista Odú

A proposta foi articular uma curadoria editorial que refletisse as pluralidades da criação artística nos circuitos A revista Odù consolidou-se como uma plataforma de articulação entre aldeia, quilombo, favela e terreiro, construindo uma rede de pensamento e imagem que escapa ao eixo hegemônico das artes e das ciências sociais. Nesta edição, Jade publicou uma entrevista com o músico e pensador Mateus Aleluia, em que se formula, a partir de sua trajetória com Os Tincoãs, o conceito de afrobarroco.


Mateus Aleluia foi um dos primeiros artistas a estruturar, no campo da música popular brasileira, a presença orgânica de ritmos, vozes e cosmovisões de matriz africana e originária brasileira. Sua obra não trata essas matrizes como influências marginais, mas como núcleo epistemológico e estético. O afrobarroco, como ele define, é uma fusão entre África, barro e território. Uma forma de ser e de criar marcada pela mistura, pela espiral, pela não linearidade e pelo trânsito entre mundos.


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Jade apresenta essa formulação como uma categoria crítica capaz de reorientar o olhar sobre a arte, a espiritualidade e o corpo negro no Brasil. Um conceito que atravessa sua prática como pesquisadora, curadora e intelectual comprometida com novas formas de narrar e sentir a cultura brasileira.


“O barroco aqui é sustentado no dono da terra, que é o índio.” — Mateus Aleluia, em entrevista à Odù


A revista foi distribuída gratuitamente em mais de mil exemplares para escolas, comunidades e centros culturais, configurando-se como instrumento de circulação de pensamento e de escuta contra-hegemônica.


Outros trabalhos


Entre os projetos mais recentes, Jade atuou na pesquisa e no roteiro de um documentário sobre a Caminhada Tupinambá, que acompanhou o movimento cultural de mobilização no interior da Bahia e o retorno do Manto Tupinambá, peça de arte sagrada indígena que retornou ao Brasil em 2024, após séculos sob custódia de museus europeus. O documentário não trata o manto como um objeto museológico isolado, mas como um agente social vivo, um ancião coletivo para o povo Tupinambá, cuja presença ativa é capaz de catalisar processos políticos. Sua imagem mobiliza memória, reforça identidade e tensiona as fronteiras entre o simbólico e o jurídico nas lutas contemporâneas por reconhecimento, reparação e retomada territorial.


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Através de depoimentos, arquivos e registros visuais, o documentário propõe o manto como corpo político e cosmológico, abrindo caminho para novos pactos entre arte, ancestralidade e reparação.


Jade também idealizou e apresentou a websérie documental Vozes da Tradição Baiana, que registra e compartilha os saberes de comunidades tradicionais do estado, como aldeias indígenas, quilombos, terreiros e comunidades pesqueiras e artesãs. A série parte de uma escuta etnográfica sensível e constrói narrativas que reconhecem essas comunidades como protagonistas e coautoras da história baiana. Vozes da Tradição Baiana percorre diferentes territórios do estado como o Recôncavo Baiano, Itacaré, Salvador e Porto Seguro construindo pontes entre quilombos, aldeias, terreiros e periferias. Todos os episódios estão disponíveis no youtube.


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“Minha proposta é afirmar a antropologia como ferramenta ativa na formulação de projetos culturais, na análise de obras de arte e na mediação entre linguagem estética e repertórios coletivos. O olhar antropológico pode traduzir arquivos, expandir o sentido das obras, ampliar a conexão entre público e linguagem, e sobretudo oferecer subsídios conceituais e sensíveis para que artistas, curadores, produtores e instituições possam elaborar insights mais precisos, potentes e comprometidos com a complexidade de seus projetos. Trata-se de uma escuta comprometida com o sensível.”


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“A cultura brasileira é marcada por uma complexidade estrutural que decorre de sua diversidade histórica e racial. Vivemos hoje um cenário em que o marketing frequentemente captura os signos da periferia, esvazia seus sentidos originários e realiza uma ‘limpeza estética’ para torná-los comercializáveis. Atuar nesse contexto exige mais do que traduzir a cultura para os olhos da arte, é preciso trabalhar a sensibilidade, compreendendo os contextos e as minúcias do social, para que o universo simbólico do artista não apenas exista, mas possa ser verdadeiramente criado, performado e reconhecido como linguagem legítima.”


Sobre:

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Jade Alcântara Lôbo é pesquisadora e escritora baiana, Doutoranda em Antropologia Social na Universidade Federal de Santa Catarina, foi bolsista do Afro-Latin American Research Institute da Harvard University, onde obteve o Certificado em Estudos Afro-Latino-Americanos. Teve sua tese selecionada para o Mamolen Dissertation Workshop, promovido pelo Afro-Latin American Research Institute da Harvard University, espaço de aperfeiçoamento de pesquisas em Estudos Afro-Latino-Americanos.


É pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Latino-Americanos da UNILA, associada à Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN).

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Graduada em Antropologia pela UNILA e mestre pela UFBA, atua com ênfase nas relações étnico-raciais, nos direitos dos povos tradicionais e nas cosmopolíticas afroindígenas. É autora do livro Para Além da Imigração Haitiana: Racismo e Patriarcado como Sistema Internacional e criadora da Revista Odù: Contracolonialidade e Oralitura.

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